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Pode procurar pela médica negra, que eu sou a única

                  Quando decidi que abordaria a ascensão da mulher negra no mercado de trabalho, a partir do retrato da vida e do cotidiano de cinco personagens, de cara já imaginava que precisaria de alguém da área de Medicina. O levantamento das profissões mais valorizadas a partir da análise de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) comprovaram a minha previsão: os médicos estão, de fato, entre as profissões de nível superior mais bem pagas do país.

            A procura pela profissional não foi fácil. Havia apurado com familiares, amigos e colegas que trabalham em hospitais se conheciam médicas negras e a resposta era sempre “não”. Carolina Lemos, estudante de Odontologia que faz estágio no Hospital da Aeronáutica, também não se recorda de nenhuma. Foi difícil, mas jornalista não pode desistir da pauta na primeira dificuldade.

Depois de algumas pesquisas, descobri o calendário “Negra, luta!”, uma homenagem do Movimento Negro em Pernambuco a mulheres que participaram de sua história. A médica Laurinete Teles de Santana, 77 anos, estava entre elas. Entrei em contato, depois de um ou dois dias chegou a resposta: “Querida Jaqueline, gostaria muito de participar do seu projeto porém me encontro fora do país e só retornarei no fim de outubro. Estarei a sua disposição se puder cooperar ea distância ou quando retornar. Um abraço”. Combinamos de nos encontrar assim que ela retornasse de viagem, era começo de novembro quando ela me procurou. Agendamos uma entrevista para a semana seguinte. No dia marcado, teve complicações, está com a saúde um pouco frágil, remarcamos para esta manhã de sexta-feira.

                Laurinete Teles de Santana participou do início do Movimento Negro em Pernambuco, nos anos 1980. As reuniões aconteciam todo sábado. “Eu ia para o Movimento Negro pra sair da rotina de Medicina e lá eu me encontrei. Porque às vezes eu tinha um pouco de complexo e no Movimento Negro eu me libertei de muita coisa”. Foram muitos encontros, alguns deles fora de Pernambuco. “Os lugares todinho eu ia”, conta com um saudosismo alegre. “Deixava os meninos com a empregada e ia-me embora”.

            Muita gente também vinha para o Recife: Zezé Mota e Leila Gonzalez estão entre os nomes lembrados por Laurinete. “Era muito bom. Depois de Medicina, o Movimento Negro foi tudo pra mim”. Ficou orgulhosa quando recebeu a homenagem do calendário “Negra, luta!”, mas pondera: “Tem tantos que precisam ser homenageados”. Com uma sinceridade que chega a ser ingênua e invejável, confessa: “Me emocionei mais em ver Mandela, do que ser homenageada”.

 

Se é sonho, faça

            Era a Salvador do início da década de 90. Acontecia um congresso de cardiologia e a médica que ajudava a nefrologista nas pesquisas devia estar participando do evento. Acontece que no mesmo dia, no aeroporto da cidade, estava marcada a chegada do seu grande ídolo. Seu e de milhares de brasileiros que estavam ansiosos para vê-lo e escutá-lo. Nelson Mandela esteve uma única vez na Bahia e ficou apenas um dia em Salvador. Laurinete teve a felicidade de conhecê-lo. “Ficou todo mundo no congresso e eu fui esperar Nelson Mandela no aeroporto. Como eu tinha uma carteirinha da polícia, e eu tenho ainda, eu me apresentei e me deixaram entrar na sala VIP”, ainda dá para sentir o seu entusiasmo. “Tive a honra de apertar a mão de Nelson Mandela. Apertei e beijei a mão dele e da mulher, Winnie. Minha maior glória foi essa”. Não pude conter a surpresa e o encantamento com essa revelação. De repente me vi perguntado como uma criança que quer sempre saber mais da história que lhe contam: “A senhora conheceu Mandela? Me conta, como foi?”.

            A carteirinha da polícia, parece, vem desde os tempos em que era médica pediatra do Hospital da Polícia Militar de Pernambuco. O modo de tratar os pacientes a fez querida por todos e muitos costumavam pedir para serem atendidos por ela. “Porque eu era igual. Não tinha, nem tenho, aquele negócio de ficar num pedestal”. Ela se emociona ao lembrar-se das crianças que já atendeu. Ao lembrar-se do meninozinho, bem pretinho, que tinha anemia falciforme e pedia para chamar a lista de pacientes. “Aí todo mundo perguntava ‘É seu filho?’. Eu dizia ‘Não, é meu paciente. Mas é como se fosse filho’”. O envolvimento com as crianças era tanto que era difícil segurar as lágrimas que teimavam em cair. “Eu chorava o tempo todo. Eu me trancava pra chorar. Porque era como se fosse gente minha, eu tratava como gente minha mesmo. Por isso que o povo gostava de mim”.

            Um médico mais velho uma vez lhe disse “Minha filha, a gente conhece o paciente doente pela fisionomia. Se ele tá pálido, tem anemia. Se tá muito vermelho...”. Laurinete não concordava com esse pensamento. Ainda bem. “Na residência ensinavam a gente a examinar dos pés a cabeça. A gente examinava ouvido, olho, boca, vagina, tudo”. Em consultas de rotina, ela perguntava às mães se havia algum problema mais grave e elas respondiam que não. “Aí alguma coisa me dizia ‘examina essa criança’. E quando eu ia examinar encontrava um sopro cardíaco. Eu acho que quase todo médico tem uma intuição divina. Tem muita coisa que a gente vê que não é a gente só. Porque a pessoa tem que ter sensibilidade pra sentir essas coisas. E eu sentia isso muitas vezes, muitas vezes mesmo”. Tomara que essa sensibilidade também esteja presente nas meninas que sonham ser médicas. É para elas o conselho de Laurinete: “Se é o sonho, faça, realize. A gente tem que realizar os sonhos, mesmo que depois se decepcione”.

            A comercialização do sistema de saúde desiludiu Laurinete. “Eu não me decepcionei por ter feito Medicina, de jeito nenhum. Agora a política de saúde é uma decepção. Quem tem dinheiro, pode ter melhores médicos, melhores exames. Mas quem não tem, morre à míngua. Ainda acontece isso, mas por causa da desigualdade”. O desvio de verba é outro ponto que preocupa, mas ela também faz questão de destacar os avanços da Medicina. “Houve uma melhora muito grande na área de saúde com a vacinação. A sobrevida dos idosos aumentou bastante, não tem mais aquelas gripes que matavam, a exemplo da pneumonia”.

            Quando conto que na minha infância costumava ser atendida no Hospital da Polícia, ela logo pede para fazermos as contas. Eu tinha cinco anos quando ela se aposentou. “Talvez eu tenha te atendido. Pergunta a sua mãe, só tinha eu de negra lá”, relembrou. Essa frase meio que se transformou no sobrenome de Laurinete, que costumava dizer aos pacientes: “Pode procurar pela médica negra, que eu sou a única, se esquecerem meu nome”. Era comum as pessoas se surpreenderem ao perceber que ela era a pediatra. “Um dia as meninas foram me chamar por causa de uma urgência, foi de madrugada isso. Aí, quando eu me aprontei e cheguei lá, a mulher preguntou ‘Cadê o médico? Cadê o médico?’. Era uma esposa de oficial. E isso acontecia várias vezes”. A resposta vinha em sequência: “Médico, só terça ou quarta. Hoje não tem médico. Hoje sou eu a médica”. As mães pediam desculpas: “Elas nunca imaginavam que eu era médica”, conta. O preconceito também era pelo fato de ser mulher. “No meu tempo, eles achavam que o médico tinha mais capacidade, que o médico homem dava mais confiança. Mas isso nunca mexeu comigo. Eu sempre tinha uma resposta à altura pra dizer e elas ficavam tudo atrapalhadas”. É impossível conter o riso.

 

Freira não gosta de negro

            Era uma vez um concurso sobre religião. Alunos das escolas católicas podiam participar. O melhor trabalho do interior iria para Recife. Quem ganhasse no Recife, iria para o Rio de Janeiro. Em um colégio de freiras de Caruaru, agreste pernambucano, uma menina tirou a maior nota, mas seu trabalho foi “acidentalmente” esquecido. A mesma menina, quando cantava uma música, escutou do professor “Para com essa batucada de negro”. Outras vezes, quando falava na fila, era expulsa e mandada para diretoria. Acontece que as colegas não tinham o mesmo tratamento. Será que era sorte?

            “Quando era uma menina branca e rica, que era a maioria, de negra só tinha eu e uma outra que nem se considerava, então era a maneira diferente de tratar. Mas também eu dizia ‘Se fosse Fulaninha ou Ciclaninha, a senhora dizia assim: minha filha, não pode falar na fila. Mas como sou eu, a senhora me expulsa da fila’. Eu nunca fiquei calada”. Laurinete sempre quis estudar em colégio de freira, adorava ver as meninas de meias longas e arrumadas. Passou três ou quatro anos sem estudar porque só queria estudar em colégio de freira. O pai dizia: “Freira não gosta de negro”.

            Morava com ele em Caruaru. Os pais eram separados, a mãe morava no Recife. Era com ele que brincava de boneca e de hospital, fazia os móveis com caixinha de fósforo porque não tinha condições de comprar brinquedos novos. Quando voltou a estudar, por influência de uma vizinha, achou que estava grande para retornar a terceira série. Resolveu fazer a prova de admissão ao ginásio. Passou. O pai ficou contente mas disse “Não apronte no colégio porque eu não vou lá”. E ela ficou no colégio de freira, que foi muito bom, apesar de, hoje, sentir que havia preconceito.

 

Se quer, corra atrás

            Quando terminou o ginásio, Laurinete foi morar com a mãe no Recife. Não seguiu a sugestão do pai de fazer magistério e ser professora. Preferiu o científico, o atual Ensino Médio. Os vizinhos da mãe estudavam no mesmo colégio que a jovem, que aproveitava os livros deles. A escola dividia as turmas em Engenharia e Medicina. Para correr da matemática, escolheu a segunda opção. Ela não dizia que pretendia prestar vestibular, ou cairiam na risada. “Como é que vai fazer medicina? Não tem nem condição. Nem de viver, nem de morar”.

                Sem ter também direito onde dormir ou estudar, ficava na biblioteca. Alguns colegas a ajudavam a estudar física, a matéria que lhe reprovou em três vestibulares. No primeiro ano que tentou Medicina, viu a mãe adoecer. Pouco tempo depois ela morreu de tuberculose. Também viu um irmão, de 13 anos, morrer sem que soubessem a causa. O hospital não informou a família sobre o óbito e ele foi enterrado como indigente. Encontrou o túmulo no cemitério da Várzea. Enquanto relembra essas histórias, seus olhos marejam. Não tem como não se emocionar.

            A sensação de que a mãe e o irmão poderiam ter sido salvos abriu margem para a Medicina. Foram três anos tentando entrar na Universidade Federal de Pernambuco. Não tinha condição de pagar a UPE, na época a universidade estadual não era gratuita. Mas sempre dizia: “No próximo ano vou me preparar mais”. De repente, assim como aconteceu algumas vezes durante nossa conversa, Laurinete lembra-se de um fato que julga importante. “Teve uma coisa, eu escrevi, era uma coisa assim que você não sabe o porquê, escrevi pra Juscelino Kubitschek, o presidente”. Espantada com a caixinha de surpresas que me parece sua vida, ora conhece Mandela, ora escreve para JK, pergunto confirmando: “A senhora escreveu pra Juscelino?”. “Escrevi, pedindo, queria estudar, não tinha condições. Queria fazer um pré-vestibular e ele me mandou um telegrama me encaminhando para uma bolsa de estudo no melhor cursinho que tinha aqui, que era ligado à universidade”. Fez a inscrição e, para não perder a bolsa, precisava tirar 7,0 todos os meses de média. Conseguiu até o fim.

            Nesse ano, o pai, Seu Ranulfo, disse: Faça na particular. Que a gente se arranja e paga. “Quer dizer, meu pai foi o grande homem da minha vida”. Ele era sargento do exército, não esbanjava dinheiro, mas também não era tão pobre quanto a mãe. Na primeira vez que tentou a UPE, Laurinete passou. “Isso foi a maior alegria da minha vida”, comemorou novamente. Quando estava no terceiro ano da faculdade, Seu Ranulfo faleceu.  Ela ainda não sabia como conseguiria se manter no curso, mas, felizmente, foi agraciada com uma bolsa de estudos.  Também contou com a ajuda de um amigo, sobrinho do secretário de saúde da época. “Ele falou com o tio dele, que me doou os livros do curso todo, do terceiro ano até o sexto. Livro que eu precisasse eu ia pegar numa dessas bancas que vende pra faculdade”. Comida ela também não tinha onde comer. Procurou a reitoria, informou que não tinha como se manter, e ganhou um cartão lhe dava o direito de frequentar qualquer restaurante da universidade. Às vezes não tinha dinheiro para a passagem de ônibus. Ia só com a ida. Os sapatinhos de tricô que fazia e vendia nas lojas após as aulas ajudavam no lanche e na despesa com o transporte para a volta para casa. Diante de tanto esforço e força de vontade, indaguei: “A senhora sempre correu atrás, não foi?”. A resposta veio com uma reflexão “Agora eu não sei por quê. Meus filhos não são assim”.

 

É tudo misturado

            Laurinete descobriu que estava grávida do primeiro filho quando participava do Projeto Rondon em Brasília, em 1970, mesmo ano em que se formou. O menino recebeu o nome do avô, Ranulfo. Para cuidar do filho, abdicou do sonho de ser cirurgiã em São Paulo. Um dia, sem saber direito o que faria, recebeu um telegrama na casa da irmã, com quem morava desde que a mãe falecera. Era o convite para fazer parte da primeira turma de residência da UPE. “Eu sei que tudo me ajudou na minha vida, quer dizer, é uma coisa que eu acho que é de Deus. Eu confio muito em Deus e até hoje ele tem me orientado em tudo. Ele e os Orixás”.

            Nenhum dos filhos seguiu a profissão de Laurinete. Ranulfo, 44, é jornalista, está fazendo pós-graduação em Cinema, mora na Espanha. É com ele que ela pretende desenvolver um livro contando a história da mãe. “Eu queria escrever um livro. Porque eu queria começar contando a vida da minha mãe, que foi uma guerreia. Morreu aos 48 anos, teve todos esses filhos, e ainda morreu tuberculosa. A mãe morreu do parto dela, foi criada por madrasta, que era péssima. Ela não lia, não sabia nem a data que nasceu, e hoje tem quatro netos morando na Europa, todos bem de vida. É linda a história da minha mãe”.

                 Tatyana, a filha do meio, 41, é da área de moda. Montou uma boutique na Alemanha e trabalha como designer de móveis com o marido. Raphael, 37, iniciou o curso de Turismo. Fala três idiomas. Sobre o caçula, Laurinete desabafa: “É meio revoltado”. Eles moram juntos numa casa no bairro do Janga, no município de Paulista, Região Metropolitana do Recife. “Lá é bom demais, eu queria que você fosse, um dia você vai”, convida-me e continua: “Não tem muito movimento, a casa é solta. É um sítio, é cheio de frutas, de tudo, é um lugar bom pra descansar”. Mesmo assim, Laurinete pretende comprar um apartamento menor, em Olinda, onde aconteceu nossa conversa. Ela não gosta de aproveitar as coisas só. O filho passa boa parte do tempo na televisão ou no computador. “Aí eu venho pra cá que eu conheço todo mundo. Eu tenho uma irmã aqui e eu fico com ela”, contou.

           A irmã, oito anos mais velha, já salvou sua vida três vezes. A primeira quando foi buscar uma pessoa para fazer o parto da mãe quando Laurinete estava para nascer. A segunda quando tinha seis meses: Laurinete caiu dos braços da irmã, que a resgatou do mar. A terceira foi no segundo ano de Medicina. Enquanto costurava e passava o ferro com água, Laurinete levou um choque elétrico. “Eu tava fazendo um vestido branco, ainda me lembro”. A primeira coisa que pensou foi que não terminaria o curso. A irmã puxou o fio, passando a carga para ela. “Essa aí foi a minha salvadora. Escapei três vezes da morte. Não sei por que eu tô viva ainda”.

            Laurinete teve muitos irmãos, mas nem todos sobreviveram. “Os negros morreram todos, só fiquei eu”, disse. O primeiro casamento da mãe, Dona Maria José, foi com um português. “Aí ela tem as três primeiras filhas branquinhas, branquinhas. E os outros que foram de meu pai, que era negro, negro, negro, ela teve tudo pretinho. Então era tudo assim misturado.”

               A miscigenação continua com os descendentes: “Tenho neto loiro porque minha filha casou com alemão”. Tatyana tem três filhos, todos de pele alva. A menina, conta a avó, puxou ao pai: “Bem clara, de olhos claros, o cabelo meio alourado, mas a fisionomia tem da gente, né?”, avalia, passando a mão pelo rosto e marcando especialmente nariz e boca. Também é fácil perceber o orgulho que Laurinete sente por Tatyana. “Sempre ela é firme na raça. Ela é bem clara, mas nunca se camufla pra se mostrar que é branca”. Para estar perto da filha e dos netos, Laurinete costuma viajar para a Europa em média duas vezes ao ano. Estava lá quando mandei a mensagem a convidando para ser uma das personagens desta série de perfis. “Todo ano eu vou para lá. Passei três meses lá com ela e com os netos. Eu ia trazer o telefone pra te mostrar as fotos, só que eu esqueci”, lamentou-se. Tatyana e os meninos vez ou outra também vêm para o Brasil. Em dezembro, inclusive, Laurinete vai encontrá-los no Rio de Janeiro.

 

Eu era superior

      “A senhora sente orgulho da sua profissão?”, perguntei em certo momento. Nem sei por que, já que já sabia a resposta. “Demais. Se outra vida tivesse...”, reflete, deixando no ar a certeza de que seria médica em quantas reencarnações existissem. Ainda hoje ela encontra pessoas da época em que atendia na pediatria. “De vez em quando eu encontro uma mãe na rua que vem e me dá um abraço. Porque a minha maneira de atender era diferente”, comenta com um sorriso. Um caso, porém, fez a médica Laurinete voltar a se emocionar durante a entrevista. “Dia desse eu tava numa loja comprando e uma senhora estava olhando para mim mas não chegou a se identificar. Aí eu fui, paguei, e quando eu voltei minha amiga estava com o bilhete que ela deixou: ‘Doutora Laurinete, naquele dia tanto de tanto, a senhora salvou a minha filha’", relembra, sem conseguir conter as lágrimas.

         Apesar de ter se especializado em medicina pediátrica, Laurinete não atendeu apenas crianças. Trabalhou no Hospital Oswaldo Cruz durante uma epidemia de meningite, em 1975, e, pouco tempo depois, foi para Fernando de Noronha, trabalhar também com adultos. “Um pediatra atender um adulto não é arriscado, agora um clínico atender uma criança é mais arriscado. Porque tudo é dosado, tudo é por peso. A gente não faz assim como faz com adulto ‘tome um comprimido’, a gente tem que calcular pelo peso, tudo direitinho”, compara.

       Depois de aposentada trabalhou, ainda, como médica de família. O programa trouxe muita coisa boa, como a vacinação e a diminuição da mortalidade infantil, mas não resolveu o maior dos problemas: “Não adianta você ter um médico na porta se você não tem nem comida na panela”, conta, lembrando-se das famílias extremamente pobres que visitou. Hoje, perto de completar 80 anos, ainda se imagina em novos rumos. “Eu queria fazer outra coisa, fazer prevenção, pesquisa, mas a idade não dá mais. Eu queria até ser médica sem fronteiras. Ai, como eu queria. Se eu fosse jovem eu iria. Mas depois de velha eu só vou pegar doença, e eu já tô cheia”, brinca.

            Os planos agora estão voltados para o reencontro da turma da faculdade, em celebração aos 45 anos de formados. Vai ser em dezembro, num hotel em Porto de Galinhas, litoral pernambucano. Muita gente se afastou e não vai. Não é o caso de Laurinete. Os encontros, que acontecem a cada cinco anos, são importantes para ela. “Ah, menina, me faz uma felicidade enorme. Eu gosto de vê-los, que estão vivos, que estão bem”.

           A turma tinha 113 alunos, negros eram três. “Eu não sentia que houvesse desigualdade por causa da cor, mas por causa de dinheiro, do nível social. E mesmo que tivesse, eu vou lhe dizer, eu era superior. Nunca me senti inferior em sentido nenhum. Nunca, nunca. Eu acho que isso é espiritual, da pessoa. Eu acho que todo mundo é igual. O que vale é o espírito e o espírito não tem cor, não tem dinheiro, não tem nada”.

“Pode procurar pela médica negra, que eu sou a única, se esquecerem meu nome.”

 

 

" Nunca me senti inferior em sentido nenhum. Eu acho que todo mundo é igual. O que vale é o espírito e o espírito não tem cor, não tem dinheiro, não tem nada.”

 

Laurinete Teles de Santana, médica aposentada

 

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